Para salvar a infância, que tal desligar as telas? O resultado pode ser surpreendente.
O custo oculto de uma Infância conectada
Pais e educadores compartilham uma preocupação crescente sobre o impacto do tempo excessivo de tela no desenvolvimento infantil. Em um mundo onde o digital parece inevitável, questionamos qual é o verdadeiro custo de uma infância mediada por dispositivos eletrônicos. Estamos, sem perceber, sacrificando habilidades essenciais em troca de entretenimento passivo?
O psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt, autor de A Geração Ansiosa, oferece um alerta contundente sobre o problema:
“a humanidade está destruindo a capacidade de concentração de uma geração inteira. Está se perdendo a infância baseada em brincadeiras. Ganhando a infância baseada em telas. Isso tem um custo alto para o cérebro em formação”
Diante desse desafio, o Bonjinha, unidade escolar mantida pelo Bom Jesus IELUSC, em Joinville, tomou o aviso como um convite à reflexão. A resposta foi uma ação corajosa de “infância desplugada”. Mais do que simplesmente remover os aparelhos, a iniciativa busca restaurar a essência do aprendizado e do crescimento. As lições que emergem dessa abordagem são, ao mesmo tempo, simples e revolucionárias.
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- A maior surpresa: pensamento computacional não precisa de computador
A ideia de ensinar “pensamento computacional” sem computadores pode parecer contraditória, mas é um dos pilares da abordagem desplugada. O conceito de “computação desplugada”, aplicado desde a Educação Infantil, foca em desenvolver a base do raciocínio lógico e da resolução de problemas sem que para isso a criança necessite tocar em um teclado.
Isso é alcançado por meio de atividades práticas e tangíveis que formam as sinapses necessárias para o pensamento estruturado. Alguns exemplos incluem:
- Materiais concretos: Utilizar objetos físicos para entender conceitos abstratos.
- Jogos e blocos: Ensinar lógica e planejamento de forma lúdica e interativa.
- Observação de sequências na natureza: Reconhecer padrões e algoritmos no mundo natural.
- Brincadeiras colaborativas: Estimular a lógica, a colaboração e a resolução de problemas em grupo.
Ao fundamentar essas habilidades em experiências reais, as crianças desenvolvem uma base sólida para a criatividade e a capacidade de solucionar desafios. Elas aprendem curiosidade, cooperação e criticidade, habilidades essenciais para o século XXI, que mais tarde serão aplicadas quando a tecnologia for introduzida como ferramenta.
- A tecnologia não é inimiga: é uma ferramenta de criação, não de consumo
A infância desplugada não é um movimento anti-tecnologia. Pelo contrário, o uso de ferramentas digitais na escola é intencional e funcional, seguindo um propósito claro e pedagógico. Antes de criar com a tecnologia, os alunos aprendem a observá-la no mundo ao seu redor, entendendo suas aplicações concretas: como funcionam as catracas eletrônicas, as digitais ou as lentes microscópicas?
A mudança fundamental está em transformar a relação da criança com a tecnologia: de consumidora passiva a criadora ativa. No Bonjinha, unidade infantil do Colégio Bonja que atende do berçário ao 3º ano, a tecnologia aparece como um instrumento de autoria, não só de consumo.
Essa abordagem se materializa em projetos concretos que integram o digital de forma significativa:
- No 2º ano, os alunos são guiados pela personagem Rubi em narrativas que unem contação de histórias e pensamento computacional para resolver desafios.
- As turmas desenvolvem projetos integrados onde a tecnologia é usada para pesquisar e produzir conteúdo que articula diferentes áreas do conhecimento, como língua portuguesa, língua inglesa ou alemã, história e geografia.
- Um resultado prático e inspirador acontece no 3º ano, quando cada aluno recebe uma cópia impressa de um livro de poesias sobre a cidade de Joinville que eles mesmos criaram ao longo do ano.
- O ambiente e o professor: a natureza como espaço de aprendizagem
No Bonjinha, a aprendizagem transcende as paredes da sala de aula. A biblioteca, os laboratórios, os parques, as quadras esportivas e a trilha ecológica são extensões do ambiente educacional, pois todos os espaços da escola servem para que a aprendizagem aconteça numa infância respeitada.
A trilha na Mata Atlântica, em particular, oferece uma oportunidade única de aprendizado sensorial e investigativo. É um espaço onde as crianças são convidadas a interagir diretamente com o mundo: “observamos, ouvimos os pássaros e seguimos cheiros e pistas”.
Esse contato direto com a natureza é fundamental. Ele cultiva a curiosidade, a capacidade de observação e uma conexão profunda com o mundo, qualidades difíceis de serem desenvolvidas através de uma interface digital. A natureza, com sua complexidade e seus encantos, torna-se uma poderosa ferramenta pedagógica.

Restaurando o direito de ser criança
A filosofia da infância desplugada revela que “desligar as telas” não é sobre privar as crianças de algo, mas sim sobre devolver-lhes recursos preciosos: tempo, curiosidade, a oportunidade de experimentar riscos seguros e o direito de errar e tentar de novo.
A magia nasce quando nos desviamos das telas e damos tempo. O objetivo final dessa abordagem: restaurar o direito à infância, que é um tempo para errar, inventar, criar vínculos e descobrir o mundo com todos os sentidos.
Em um mundo cada vez mais digital, qual pequeno passo podemos dar hoje para devolver um pouco mais de tempo, presença e brincadeira livre às nossas crianças?